24.2.07

A ambivalência da "polis"

O modelo clássico da polis sempre foi marcado pela ambivalência. Se, por um lado, ela visa atingir a autarquia, aquele espaço de auto-suficiência que lhe permite satisfazer as necessidades vitais dos respectivos membros, ela também existe para bem viver.
Segundo as próprias palavras de Aristóteles, a polis, formada de início para satisfazer apenas as necessidades vitais, ela existe para permitir bem viver (eu Zein) ou viver segundo o bem.
É esta dupla exigência que transforma a polis numa sociedade perfeita. Não apenas porque visa a autarquia, o viver, mas porque, além do viver, exige o bem viver.
E esta exigência de bem viver que faz da polis uma forma de associação humana totalmente diferente das associações infrapolíticas. Porque se todas as formas de associação humana visam um determinado bem (agathon), aquela que visa um bem maior tem de ser superior à que visa um bem menor.
Haverá assim uma comunidade que é a mais alta de todas e a que engloba todas as outras. Esta comunidade é a aquela a que se chama polis, é a comunidade política.
Parte-se do princípio que a politicidade tem de ser poder mais liberdade, tem de ser governação mais participação, porque não há polis que não tenha como base a cidadania.
A polis tem de ser suficientemente grande para poder atingir a auto-suficiência, para conseguir um poder de governação, mas também tem de ser suficientemente pequena para permitir a liberdade e a participação. Logo, não pode ser grande demais nem pequena demais. Tem de ser harmonia. Tem de crescer na medida compatível com a sua unidade. Tem de ser suficiente na sua unidade.
A polis aparece, pois, como um conjunto geo-humano e geo-histórico, como associação de pessoas e comunidade de gerações, como um todo que tanto é autarcia como comunidade, que tanto é auto-suficiência como comunhão. Como a mistura de uma terra, de um povo e de uma ideia, onde a ideia faz da multidão um povo e trata de espiritualizar um determinado território, e não o inverso, como naquela degenerescência que ora leva à territorialização de um povo, ora à proprietarização de uma ideia.